Veja, 01 de fevereiro, 1995 - por Okki de Souza

Na trilha dos cifrões esotéricos
A nova estratégia de Ryoki Inoue, o brasileiro que publicou mais livros no mundo, segundo o Guinness.

O paulista José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue está no livro Guinness dos Recordes, que lhe dedica um verbete inteiro, mas poucos brasileiros sabem quem é ele. Conta o Guinness que Inoue escreveu 1033 livros até hoje (tem apenas 48 anos de idade) e é o autor literário que mais obras já produziu no mundo. Aliás, o Guinness não fala em l033 livros exatamente. Registra 1020, mas, desde a edição do último catálogo dos recordes, o mais rápido e prolífico escritor do planeta já deu forma a outros treze livros em seu computador. A maior parte da estante de obras dessa máquina de escrever é formada por aqueles folhetins de faroeste, guerra, espionagem ou aventuras vendidas em bancas de jornais. O autor assinou-os com 39 pseudônimos como James Monroe, Bill Purse e George Fletcher. Também fez alguma ficção política e experimentou um pouco em outras áreas, coisa natural em um escritor que já chegou a um total de 10 milhões de exemplares vendidos. Mas, quem diria, Inoue não está muito satisfeito com o resultado de sua carreira. Acha que fatura pouco para a quantidade de trabalho que tem. Não dá para discordar.

Pelos direitos autorais de cada um de4 seus antigos livrinhos de faroeste ou aventuras banais, o escritor recebe uma média de 60 dólares, uma ninharia, comparada aos 10% do preço de cada livro vendido que reza no contrato padrão dos escritores dos quais a crítica se ocupa. Foi, porém que com essa única fonte de renda que, entre 1986 e 1992, sustentou sua família na enorme e confortável casa onde mora, em Piúma, balneário de classe média do Espírito Santo. Mas, para ele, chega. Está na hora de mudar. Vendo para onde voam os cifrões no mercado editorial, Inoue escolheu facilmente o campo de ataque: está fazendo agora um guisado de Paulo Coelho, Carlos Castañeda e Isaac Asimov, mestres do oculto, do misterioso, do inexplicável, mestres sobretudo na arte de vender muitos livros e ganhar rios de dinheiro com eles.

Filho de pai nissei e mãe portuguesa, médico especialista em cirurgias do tórax que em 1986 aposentou o bisturi, Inoue transforma em realidade uma célebre ironia do escritor francês Honoré de Balzac. Perguntado, certa vez, se escrever romances era muito difícil, ele respondeu: “Ou é muito fácil, ou é impossível”. Inoue escreve com a facilidade de quem prepara um rol de lavanderia, e o faz tão rápido como quem rabisca um bilhete. Seus livros-folhetins, batizados com títulos como A ilha dos Mercenários, O Dez de Ouros e Uma Missão para Wallace, eram produzidos ao ritmo de vinte por mês. Quando o prazo era curto, ele chegava a escrever três num único dia, em jornadas de dezoito horas de trabalho, ou seja, levava seis horas para aprontar 120 páginas.

Boa parte desse tempo era gasta não com a elaboração do texto em si, mas com pesquisas em enciclopédias e Atlas, para que pudesse descrever a topografia do Wyoming ou encaixar personagens na ocupação francesa da Louisiana. “Nem pensar em histórias encenadas no Brasil, elas não venderiam”, ele informa. Ao sentar diante do computador, Inoue ligava uma espécie de piloto automático. “Começava a escrever sem ter nenhuma idéia do desenvolvimento da história ou do perfil dos personagens, e jamais voltava para revisar ou reescrever textos”, ele conta.

Sua idéia de procurar novos caminhos literários começou a tomar forma há três anos. Achou que era hora de injetar ambição em sua carreira, assinar as obras com seu próprio nome e disputar um posto entre os bons romancistas nacionais. Só não desligou o piloto automático. Nesse período, lançou 33 romances. O primeiro deles, seu livro de número 1000, foi E Agora, Presidente?, Com 418 páginas escritas em uma semana. Pela primeira vez ele estampava em uma capa a assinatura Ryoki Inoue. O livro conta à história de um jovem político que chega à Casa Branca e se torna o epicentro de um a trama misturando chantagem, tráfico de influências e orgias sexuais. Para culminar, o presidente em questão contrai Aids.

E Agora, Presidente? Foi um sucesso. Vendeu 15000 exemplares, cifra excelente para o mercado nacional. Depois veio Onde Está Pablo Escobar?, sobre um jornalista que tenta escrever uma biografia autorizada do ex-chefão do narcotráfico colombiano. O livro encontrou 5000 compradores, número razoável num mercado onde edições de 3000 exemplares raramente se esgotam. Vendagens como essas, porém, não se repetiram. No ano passado, Inoue lançou 25 livros, policiais ou de aventura, e conseguiu a média de 6000 exemplares vendidos por mês. Na prática, a mudança de estilo não melhorou sua renda, que continuou, como na época dos folhetins, na faixa de 1500 a 2000 dólares mensais. É justamente por isso que, agora, ele está de olho num dos melhores filões do mercado editorial: o misticismo.

“Posso me tornar um novo Paulo Coelho, por que não?”, desafia. “Ele será o novo Paulo Coelho”, decreta Maxim Behar, dono da editora Emmus, que até o final de fevereiro lançará dois dos sete livros que o autor prepara no momento. Para azeitar a ascensão de Inoue, Behar chegou a ampliar o departamento de divulgação de sua editora. Agora, conta com mais três pessoas para espalhar aos quatro ventos que uma estrela do misticismo nasceu. “A idéia é colocar um turbo num carro que já é possante”, entusiasma-se o editor. O primeiro lançamento dessa leva será Do Mago ao Louco, romance com personagens baseados nos 78 arcanos do tarô. Depois virá O Iluminado, em que um professor de matemática tem visões místicas. Mais para frente, chegará as livrarias O Cristal, que promete vastas emoções esotéricas, O livro conta com a história de um notável cristal encontrado na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Colocado junto a um computador, ele passa a alimentar os chips da máquina com informações importantes sobre o futuro da humanidade, vindas de algum lugar da galáxia. Todos esses livros estão meio escritos no computador do candidato a best-sellers.

O que menos importa para Inoue, em seu projeto, é que ele cultive um ceticismo quase debochado com a relação a assuntos místicos. A percorrer trilhas sagradas, prefere passar as tardes tomando um bom Scotch na varanda de casa, empunhando um cachimbo apenas cenográfico a cada vez que um fotógrafo se aproxima. O que Inoue pretende é colocar sua facilidade para escrever a serviço do sucesso, conquistar um segmento de leitores que não se cansa de consumir literatura mística ou esotérica. Nos últimos dez anos, o mercado dos livros do gênero cresceu duas vezes mais que a média do mercado editorial nacional.

Apenas sobre anjos existem hoje cinqüenta livros no mercado. Entre eles estão Anjos Cabalísticos, de Mônica Buonfiglio (200 000 exemplares vendidos), e Anjos, Nossos Amigos Invisíveis, de Lúcia Castro (35 000). Horóscopo Cabalístico, com vendagens de mais de 100 000 exemplares, há anos é o carro-chefe da editora Pensamento, que há pouco, de olho no público jovem, lançou Magia para Principiantes. É uma corrente que parece não ter fim, e os planos de Inoue na área são ambiciosos. Do mago ao Louco, por exemplo, é apenas o primeiro passo de um grande projeto envolvendo o tarô. Posteriormente, ele pretende lançar uma coleção inteira sobre o assunto, um livro sobre cada um dos 78 arcanos. “Eles podem render personagens fascinantes”, diz o autor, disfarçando o fato de que, para ele, as cartas do tarô podem revelar tanto sobre uma pessoa quanto as de um baralho comum.

O filão do misticismo pode também significar para Inoue o fim de uma inglória batalha-o homem que mais escreveu e lançou livros no mundo tem hoje de suar para encontrar quem os publique. No tempo dos folhetins, sua produção tinha escoamento garantido. Agora, as grandes editoras do país desconfiam daquele autor que desfruta a intimidade de cowboys de chapéu puído e detetives anônimos. “Elas vão à feira de Frankfurt e compram Sidney Sheldon por um punhado de dólares, mas não incentivam os autores brasileiros”, resmunga Inoue, retomando em causa própria o obsoleto dicurso nacionalista nas artes. Vai daí que Inoue costuma peregrinar pelas editoras médias ou nanicas para publicar seus romances. Às vezes se mete em trapalhadas. Há dois anos, associou-se a dois empresários de Brasília que pretendiam entrar na área editorial, entregando-lhe os originais de dois livros. Ambos fracassaram, ele acabou responsabilizado por um prejuízo de 14 000 dólares e saiu da cidade sob ameaças de morte. Para convencer os editores que estão diante de um Sidney Sheldon em potencial, Inoue conta com alguns trunfos além do próprio nome inscrito no Guinness.

O primeiro desses trunfos é um indiscutível charme pessoal. Dono de uma conversa cativante, é daqueles personagens capazes de capitalizar uma roda de amigos falando da invasão russa na Chechênia ou contando a última piada do português. “Ele me procurou para falar de negócios e no primeiro encontro nos tornamos grandes amigos”, conta Jorge Cláudio Ribeiro, dono da editora Olho D’ Água, pela qual Inoue lançará brevemente o romance Fraude Verde. Outra vantagem é que ele escreve em português, num país onde isso vem se tornando cada vez mais raros entre os figurões da literatura. Para um escritor que saiu da poeira do faroeste, impressiona a facilidade com que ele monta frases muito corretas do ponto de vista gramatical. Não se espere em seu livro a arquitetura literária de um Rubem Fonseca ou de um João Ubaldo Ribeiro. Mas algumas de suas histórias não fazem vergonha diante de certos best-sellers estrangeiros que habitam as listas dos mais vendidos. Seus livros mais ambiciosos como E Agora, Presidente? E o Nome Não Importa prendem a atenção. Outras obras suas, como o policial A Carta Marcada, têm enredos menos imaginativos, reconhecem-se neles os cacoetes folhetinescos. As tramas às vezes são desleixadas e em certas passagens ele transmite a impressão de escrever muito sobre nada. De qualquer maneira, há em seus livros a marca de quem é do ramo.

Ao contrário do que reza a maioria das biografias dos escritores, Ryoki Inoue não começou a escrever por acaso, ele perseguiu o objetivo de se tornar o craque dos folhetins de banca de jornal, gênero que sua mãe apreciava e que ele começou a ler vorazmente na adolescência. Passou de leitor a escritor depois de uma série de decepções com a medicina. Em 1985, quando trabalhava no hospital Nossa Senhora de Fátima, em São José dos Campos, ele foi convidado por uma empresa de reflorestamento para montar e chefiar um hospital no vilarejo perdido de Ribas do Rio Pardo, em plena selva mato-grossense. Meses depois, a empresa começou a atrasar seus salários e as verbas para o hospital ficaram cada vez menores. “Além do mais eu tinha de conviver com uma barra-pesada, por exemplo, medicar crianças obrigadas a tomar cachaça diariamente para agüentar o trabalho na roça”, ele relata. No ano seguinte, Inoue voltou para a medicina pública, desta vez atuando em vários hospitais da periferia de São Paulo. “Só operava bandido com o peito furado de bala”, ele se queixa.

Em meados de 1986, insatisfeito com a profissão e sem dinheiro, comprou uma máquina de escrever usada, datilografou em um mês os originais de Os Colts de McLee, seu primeiro livro folhetim, e os enviou para uma editora carioca especializada no gênero. Uma semana depois, recebeu uma carta com a promessa de que a editora publicaria “tudo o que escrevesse”. “Os folhetins nessa época tinham se tornado tão ruins que haviam casos de personagens mortos que reapareciam páginas à frente”, diz Inoue. Na mesma hora em que recebeu a carta ele se demitiu do hospital e instalou a linha de montagem literária que o levaria ao Guinness.

Hoje Inoue é o mais ilustre entre os 9 000 habitantes de Piúma. No tempo que lhe resta da atividade febril diante do computador, gosta de cozinhar peixadas para os amigos, passear pela praia e ler autores que vão de Eça de Queirós até os grandes best-sellers americanos, com estes, aprende truques da narrativa. Inoue mora com a mulher, a artista gráfica Nicole Kirsteller, autora da capa de quase todos os seus livros, e com o filho Georges, de 15 anos, que adora ler e desenhar. O escritor tem ainda outros dois filhos, André, de 22 anos, aos 16 ameaçou seguir os passos do pai e escreveu dez folhetins, todos publicados. Anouk, 18 anos, pretende seguir jornalismo, mora em São Paulo e trabalha na editora Emmus, num estágio conseguido por Inoue.

A literatura ainda não enriqueceu o escritor, suas únicas propriedades são a casa onde mora, herdada da família, e uma caminhonete Belina que suplica por aposentadoria. Mesmo assim, no cargo de celebridade local, tem fama de rico em Piúma. “As oficinas mecânicas vivem me cobrando acima da tabela”, diverte-se. Vez ou outra, engorda o orçamento com projetos editoriais paralelos. Num deles, comandou durante um ano junto com a mulher o jornal Farol do Sul Capixaba, patrocinado em parte pelo então prefeito de Piúma, cuja administração era devidamente louvada nas manchetes. O que exatamente Inoue fazia no jornal? Escrevia integralmente suas catorze páginas, do editorial ao horóscopo, da crítica de TV às palavras cruzadas. Para ele, claro, era coisa pouca. Nada que lhe tomasse mais tempo do que engendrar uma aventura nas pradarias de Wyoming.

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Veja, 01 de fevereiro, 1995 - por Okki de Souza

 
   
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