O
atraso que vem de cima ou O Regresso
para a Idade Média
A Atlantis teve êxito em sua
missão. Pelo menos, até o
presente momento, tudo está correndo
bem lá em cima, fora a perda
de um parafuso, uma porca e uma mola.
Segundo consta, a porca sumiu no espaço,
sem causar maiores preocupações
momentâneas. Já o parafuso
e a molinha, por terem escorregado
pela fuselagem da nave, deixam uma
ponta de medo de que eles penetrem
em algum lugar indevido e venha a prejudicar
fios e tubos...
Mas acho que tudo
vai dar certo. Afinal, não é a primeira vez
que o homem tenta colocar um parafuso,
este não entra, cai e simplesmente
desaparece. E o carro continua funcionando
normalmente. Esperemos que o mesmo
princípio se aplique a uma nave
espacial.
Contudo, trapalhadas à parte, é inegável
o valor científico do feito.
Ir ao espaço, passear entre
os corpos celestes, deixar a prisão
da gravidade... Ninguém poderia
sequer imaginar isso sete séculos
atrás.
Aliás, até mesmo bem
depois disso, até que terminasse
o horror da Inquisição,
perigava alguém que ousasse
pensar nessas loucuras ir para a fogueira.
Hoje, quem não acredita que
isso seja possível é que
se torna queimado entre seus amigos,
conhecidos e até mesmo parentes.
O mundo evolui, o que vale dizer que
o homem evolui.
A todo instante
estamos vendo o progresso da Ciência, os novos medicamentos
customizados de acordo com o DNA do
paciente, as novas técnicas
de cura que implicam na utilização
de células muito jovens (não
quis dizer células-tronco justamente
para não despertar a polêmica
antes da hora).
E, ao lado disso,
o que vemos, também?
Vemos a Igreja
Católica posicionar-se
contra a utilização de
embriões inviáveis – mas
não tão inviáveis
que não pudessem produzir as
tais células jovens imprescindíveis
para o tratamento de tantas pessoas
e que, até poucos anos atrás
não tinham mais esperanças
de poderem continuar vivas. Vemos nosso
Papa, Herr Hatzinger, dizer que a teoria
do evolucionismo é irracional...
Vemos todos os padrecos, padres, cônegos,
bispos, arcebispos, cardeais e o próprio
Papa queixarem-se da formidável
diminuição das vocações
religiosas. Mas, o que não se
mostra à mídia, é que
a própria Igreja Católica
cria os mais inacreditáveis
entraves para quem quer manter uma
mínima que seja chama de religiosidade.
Por exemplo, há seis meses
quero batizar minha neta, e não
consigo. O padre exige que os padrinhos
façam um curso de padrinhos
e – o que definitivamente inviabiliza
qualquer tentativa de batizá-la – seus
pais, meu filho e minha nora, não
são casados na Igreja.
Conclusão: Caroline provavelmente
será ovelha de outro rebanho,
uma vez que este pastoreio a recusou,
e o resto da família correrá o
risco de extraviar-se e passar a seguir
um outro pastor que proporcione pastos
mais fáceis de digerir e água
sem tantos lobos por perto.
Não tivéssemos sido
criados em regime estritamente católico,
minha mulher e eu, com certeza teríamos
aceitado o oferecimento de um nosso
conhecido, umbandista, que garantiu
não ser preciso nenhuma frescura
para batizar a menina num terreiro
de candomblé...
Voltando ao nosso
Herr Hatzinger, fico imaginando se
ele alguma vez já pensou
por sua própria cabeça,
deixando de lado os mofados livros
em latim escritos até antes
da Idade Média e os velhos grimoires
cheios de fórmulas e de orações
que os padres da Idade das Trevas escreviam – e
escondiam deles mesmos.
Não posso acreditar que um
homem – sim, pois não
deixa de ser um homem, tanto assim
que nasceu e há de morrer – como
Herr Hatzinger, vivendo em pleno século
XXI e com a obrigação
de fazer uma aproximação
da Igreja com a Modernidade, possa
continuar a pensar que Darwin nada
mais era do que um herege pecador e
que a vida na Terra surgiu pura e simplesmente
de um sopro de Deus. Assim, sem mais
nada, sem a menos interferência
do movimento browniano de moléculas,
sem nenhuma obrigação
de adaptação para a sobrevivência.
Se isso fosse verdade inconteste, onde
estarão os dinossauros vivos
nos dias de hoje? E os mamutes? Por
que eles perderam o pêlo, diminuíram
as presas e alargaram as patas? Por
que, enfim, transformaram-se em simples
e simpáticos elefantes?
Não estaria aí uma
prova da validade do evolucionismo?
E não haveria uma certa analogia
do pensamento de Herr Hatzinger com
o de um seu outro execrável
conterrâneo, Herr Adolf, no que
concerne a uma tendência de purificação,
não étnica, mas sim religiosa?
Por que o nosso Papa há de colocar
o Deus dos Muçulmanos num plano
inferior, ou seja, por que ele haveria
de desdeificar Alá, se Alá é nada
mais e nada menos que o nosso Deus
para os muçulmanos? Teremos
de todos os componentes da humanidade
sermos filiados ao mesmo partido religioso?
E onde está o privilégio – aliás
dado pelo próprio Deus, embora
não haja certidão do
Céu com firma reconhecida, como
bem queria o Poetinha – do livre
arbítrio? Então Abdallah
tem de adorar o Deus dos católicos
porque aquele que lhe foi incutido
desde as mais priscas eras simplesmente
não vale?
E, para finalizar,
Herr Hatzinger condena veementemente
as guerras santas.
Concordo. Toda e qualquer guerra deve
ser condenável. Mas ele posicionar-se
como se o catolicismo jamais tivesse
partilhado dessa tendência, é um
absurdo histórico. Então
as Cruzadas – devidamente abençoadas
pelos Papas de plantão – não
foram guerras santas?
E quando Herr Hatzinger
diz que o caminho para Deus jamais
passa pela
violência, como fazem os muçulmanos
que impõem à custa de
armas a fé no Corão,
está esquecendo que a Igreja
Católica fez igual, se não
pior ainda, na época da Inquisição,
quando obrigava judeus a negarem sua
fé e – até mesmo
mudando seus nomes – abraçarem
o catolicismo. Sob pena de fogueira,
se acaso se recusassem.
Na Homilia da Missa
que oficiou em Regensburg, Alemanha,
Herr Hatzinger
condenou o fanatismo. Também
concordo. Todo e qualquer fanatismo,
especialmente o religioso, tem de ser
condenado. Mas nosso Papa nada disse
sobre a Opus Dei... E olhem que ela é apenas
uma migalha de fanatismo dentro da
Religião Católica.
Mas vamos deixar
essa história
da Opus Dei para uma outra ocasião,
caso contrário vamos ficar escrevendo
horas a fio...
Por enquanto, por
hoje, apenas vale deixar aqui registrada
a minha decepção
com relação ao mais alto
dignitário do Catolicismo, aquele
que é o representante de Deus
na Terra e o ocupante do Trono de São
Pedro: não dá para entender
por que não se pensa em evolução,
dentro do Vaticano.
E, se não para evoluir, então
o Vaticano deveria ser iluminado à luz
de velas, usar tambores e pombos-correio
no lugar de telefones e internet, andar
de jegue em vez de usar um papamóvel
e, por fim, jamais por os pés
dentro de um avião – afinal
se Deus quisesse que os homens voassem,
ter-lhes-ia dado asas.