O terror dos teclados
Antonio Martins Neves
Concordo em absoluto que faltam no mundo muitos homens e mulheres como Baltazar Lopes. Livres. E não li o “Chiquinho”, não senhor. Só partes, em aulas de português, e recordo sem grandes pormenores. Mas aceito a tua recomendação e prometo que vou ler, se encontrar o livro à venda, o que não é fácil. Seria mais fácil se o autor fosse outro escritor que quero que fiques a conhecer. Um prodígio da produção literária que vem do Brasil. Um homem que escreveu 1.100 livros em 20 anos.
O jornal espanhol El Mundo conta que o ex-cirurgião escreve com a mesma paixão com que golpeava a bisturí os corpos dos pacientes que lhe caíam na sala de operações.
Claro que já está no livro Guiness dos recordes e até o Wall Street Journal lhe propôs o desafio de escrever um livro em seis horas! Bastou uma noite para tirar as dúvidas ao repórter norte-americano que quis conhecer o artista em acção. Desconhece-se se houve propostas para cotar na bolsa de Nova Iorque o brasileiro de origem japonesa Ryoki Inoue.
O frenesi da escrita é tal que não há teclado que aguente mais que seis meses. Os dois computadores onde armazena a avalanche criativa precisam trocar de teclas de meio em meio ano. Garantido é que o homem dedica pelo menos quatro horas por dia a escrever. Nas restantes, pesquisa e procura histórias e enredos para dar de beber à verve. E, a avaliar pelas vendas, o impetuoso escriba tem mercado. O jornal de Madrid, que, contudo, não fala em números, conta que o escritor conseguia, em 1992, dominar 95 por cento do mercado brasileiro de livros de bolso. Para um país daquela dimensão, é obra.
Só que como em quase tudo, quantidade não arrasta qualidade e Ryoki é retratado como uma espécie de Corin Tellado, o inefável escritor de foto-novelas do tempo das nossas mães.
Imagina tu que já chegou a escrever três romances (isso mesmo: r-o-m-a-n-c-e-s) por dia e recorreu a nada menos que 39 pseudónimos.
Justifica a obsessão pela escrita com o cansaço pela medicina. Um desaguizado com os seus editores levou-o a deixar de lado o formato de bolso e optar pelo modelo “tijolo”, dando ao prelo longas prosas inspiradas em temas como os atentados terroristas de 11 de Setembro.
Nos intervalos ainda consegue ter tempo para dar cursos de – adivinha! – escrita rápida através da Internet e ler autores vários, entre os quais, nada mais nada menos que o nosso Eça de Queiroz ou o seu conterrâneo Jorge Amado.
Conta ele que quando a inspiração lhe falta se enfia na cozinha. O jornal não diz o que sai do tacho. Mas revela que agora tem (quando esta carta te chegar já é passado, imagino) na forja uma autobiografia. Quantos volumes, não sabemos. O certo é que tudo invariavelmente tem um lado mau e o nosso escritor, que mora a 200 quilómetros de S. Paulo, a maior cidade da América Latina (tudo em grande, portanto) tem uma quota parte de que não se pode orgulhar na desflorestação da Amazónia para produzir tanto papel. E como só tem 61 anos, as árvores vão continuar a ser abatidas a este ritmo avassalador? Não, descansa. Agora só se propõe escrever um ou dois livros por ano… A página dele na Internet diz que é “o escritor mais prolífico do mundo”. O segredo? Diria que não tem. A sua página na Internet desfaz dúvidas e mitos possíveis: noventa e oito por cento de suor, um por cento de talento e um por cento de sorte.
FONTE: www.atlantico-expresso.net