O
autor de mais de mil livros
Emerson Couto
"Quem vê o homem de ascendência
oriental caminhar tranqüilamente
pelas ruas de Gonçalves, pacata
cidade do sul de Minas Gerais, com
um saco de verduras ou um cachimbo
nas mãos, não imagina
se tratar de um escritor frenético.
Hoje, ele escreve, em média,
três livros por ano, mas já foram
três por dia.
José Carlos Ryoki de Alpoim
Inoue, um médico paulista de
59 anos que abandonou as cirurgias
de tórax para se dedicar à paixão
de infância, aprendeu a ser ágil
com as idéias e colocá-las
no papel por uma questão de
sobrevivência. Coisas de escritor
brasileiro.
Hoje, já são mais de
1.070 livros publicados, um recorde
mundial. A carreira de escritor começou
em 1986, aos 40 anos, com “Os
Colts de McLee”, um pocket book
publicado por uma editora carioca,
que vendeu 15 mil exemplares. Com o
sucesso, vieram outros, centenas de
outros livros de bolso, com histórias
policiais, de western, amor, guerra
ou ficção científica.
Mas o que as editoras
pagavam a Ryoki era tão pouco que mal dava para
cobrir os gastos com o papel, a fita
da máquina de escrever e o envio
do original pelo correio. A solução
foi aumentar a produtividade. “Eu
tinha de escrever muito para garantir
um padrão de vida mínimo.
Foi por isso que eu sempre escrevi
tanto”, revela a NoMínimo.
Entre 1986 e 1992,
Ryoki produziu 999 livros de bolso,
todos em sua máquina
de escrever. Sem qualquer pretensão,
entrou para o “International
Guiness Book of Records” como
o homem que mais escreveu e publicou
livros em todo o planeta. Por exigência
das editoras, teve de adotar 39 diferentes
pseudônimos, todos estrangeiros,
como James Monroe (o da estréia).
Eram temas para prender a atenção
dos leitores, como o romance policial “A
Droga Colombiana” (Bill Purse),
o de espionagem “Fuga Desesperada” (William
Sweetstick) ou o de ficção
científica “Energia Mortal” (Stepham
McSucker).
Pocket books: o mercado era ele
Ryoki chegou a ser dono sozinho de
95% do mercado de pocket books no
Brasil. Tinha uma tiragem mensal
de aproximadamente 750 mil exemplares
e sua média de trabalho era
de 16 horas por dia, principalmente
de madrugada. Foi um período
extremamente cansativo, mas sem nenhuma
tendinite ou uso de droga para suportar
a rotina pesada. “A droga afetaria,
com toda a certeza, a minha agilidade”,
explica.
Ryoki viveu intensamente
a fase dos pocket books, com muita
criatividade
e pouca responsabilidade. A inspiração
vinha do cotidiano, do trecho de algum
filme assistido ou das pesquisas do
pai, também médico, sobre
a Segunda Guerra Mundial e outros temas
históricos. Como leitor, sempre
foi um fã da leitura fácil
e rápida do gênero. Os
livros baratos e descartáveis
de Ryoki, vendidos em bancas de jornal,
atingiam todas as classes sociais, “do
peão de obra ao executivo”,
segundo ele. “A única
diferença é que o peão
não escondia o livro de vergonha”,
conta.
O escritor lembra
que uma montadora de automóveis chegou a evitar
a contratação de apaixonados
por pocket books. Temia que, entre
uma tarefa e outra na linha de produção,
o funcionário fugisse com um
livro no bolso do macacão para
acabar de ler no banheiro. “Este
tipo de livro é extremamente
viciante.”
O que mais incomodava
Ryoki, ao escrever os pocket books,
não era a produção
em larga escala, mas as limitações
que havia para seu trabalho, principalmente
no aspecto gráfico. Havia padrões
rígidos, como o número
de toques por página, e muitas
histórias foram mutiladas. Tentou
convencer as editoras a melhorar a
qualidade do gênero, como fazem
casas de fora do país, sem mudar
o perfil de livro de consumo rápido
e baixa durabilidade. “Na França,
os livros de bolso são graficamente
bonitos, mas, com o tempo, as páginas
soltam. São livros muito bons,
mas feitos para jogar fora”,
explica. Não conseguiu. Outra
decepção foi a falta
de valorização do santo
da casa. “As editoras brasileiras
preferem comprar o lixo que sobra da
Europa para publicar aqui porque sai
mais barato a pagar bem aos escritores
brasileiros”, protesta. O impasse
com as editoras no Brasil fez Ryoki
abandonar o pocket book.??
Ao mesmo tempo
em que a fase dos pseudônimos
americanos projetou o escritor Ryoki
Inoue, até internacionalmente,
como um escritor recordista, deixou
um estigma difícil de ser quebrado,
o do autor de larga escala. “Quando
deixei de escrever os livros de bolso,
senti medo e preconceito das editoras
em relação ao meu trabalho”,
destaca. Ser um escritor prolífico
não significa ser um escritor
ruim, defende-se. A quantidade não
afeta a qualidade.
O milésimo livro, “E
Agora, Presidente?”, uma ficção
sobre a corrupção no
meio político, marcou o fim
da fase alucinante dos pocket books,
mas Ryoki não deixou de ser
um workaholic. De 1992 até agora,
foram mais de 70 livros publicados.
A diferença é que as
obras estão mais longas – 200
páginas, pelo menos – e
há um trabalho de pesquisa mais
complexo. A ânsia por escrever
mais e mais continua. E pela mesma
razão de sobrevivência.
“Se escrevo três livros
em um ano hoje, uma mesma editora só publica
um; então, tenho de bater na
porta de outras”, lamenta. “Não
conseguiria viver com a renda de um único
livro em um ano e as editoras não
têm capacidade para acompanhar
o meu ritmo.” Além das
obras de ficção, Ryoki
faz trabalhos para o setor corporativo,
como discursos de presidentes de empresas
e é “ghost writer” de
livros de Inteligência Competitiva,
por exemplo.
Descanso: escrever
crônicas
A produção rápida
de Ryoki chamou a atenção,
em meados dos anos 90, de um jornalista
norte-americano do “Wall Street
Journal”, Matt Moffet, que veio
ao Brasil acompanhar de perto a rotina
do escritor brasileiro. Duvidava de
sua capacidade produtiva. Na ocasião,
Ryoki lançou o desafio de escrever
um livro em seis horas, tendo Moffet
como seu observador. Venceu.
Das 23 horas às 5 horas da
manhã seguinte, o escritor concebeu “A
Chave”, que, posteriormente,
se chamaria “Seqüestro Fast
Food”, cujo protagonista era
o próprio jornalista. O original
tinha 210 páginas, mas, na edição
final, ficou com 150. “Ele escrevia
capítulos inteiros ao ir ao
banheiro”, reportou Moffet em
sua matéria. Ryoki diverte-se
com a fama de rapidinho.
Desenvolveu técnicas para isso
e até ensina a jovens escritores
seus segredos. Uma de suas muitas obras, “Entrelivros”, é uma
coletânea de crônicas escritas
em meio à produção
de um e outro romance mais longo. Para
Ryoki, as crônicas são
um exercício para descansar,
coisa leve.
Mesmo longe dos
pocket books, as tramas policialescas,
de suspense e de amor
ainda continuam em alta em seu repertório.
Um dos seus três trabalhos atuais é a
produção de “O
Fruto do Ventre”, uma história
policial que envolve o Santo Sudário.
Estão previstas 700 páginas.
Outro, “Tradição
e Preconceito”, em fase de revisão
final, tem como pano de fundo a colonização
japonesa no Brasil, um pouco da vida
de seus antepassados. No enredo, amor
e suspense também. O terceiro é segredo.
Ryoki não considera a sua literatura
de menor importância, elogia
os escritores que conseguem fugir da
erudição e encontrar
a linguagem popular e não dá a
mínima atenção
para os críticos. “Muitos
críticos são escritores
frustrados que não têm
a capacidade de fazer o que faço”,
afirma. Mesmo sem um grande trabalho
de marketing, com preconceitos para
driblar e algumas decepções
ao longo da carreira, Ryoki nem sequer
cogita a possibilidade de desistir
do sonho de viver exclusivamente das
letras. Adapta-se à realidade.
Tem
uma vida simples, sem luxo, mas faz
o que gosta. Perto
de completar
duas décadas de produção
literária, ele quer ir mais
longe e pretende internacionalizar
a sua obra, com a publicação
em outros idiomas. “Ser escritor
no Brasil é muito complicado,
porque você trabalha muito e
ninguém reconhece o seu trabalho,
mas é preciso abraçar
a dificuldade e seguir adiante”,
resigna-se."
FONTE: 3.12.2005, No
Mínimo (Notícia e
Opinião)