International Press, 15 de julho de l992
“O Homem precisa ser como um bambu, ele dobra, mas, quando
passa o vento ele fica de pé de novo.”
Famoso por já ter escrito mais de 1000 livros, Ryoki
Inoue, teve o seu nome catalogado pelo “Guiness Book of
Records”, como o escritor que mais escreveu livros de bolso.
Mora atualmente no estado do Espírito Santo onde seria
o santuário de suas inspirações. É famoso
por escrever livros de bolso de faroeste e diversos outros assuntos
utilizando mais de 80 pseudônimos. Seu mais recente trabalho é o
livro entitulado: “E Agora, Presidente?”. Notícias
do Japão esteve com o escritor e traz essa entrevista
exclusiva. Acompanhe.
International Press – Como você consegue
escrever tantos livros, que o tornou em recordista?
Inoue – Eu
acho que a psicologia de meus avós paternos me influiu
muito, “TRABALHO É TRABALHO”. Enquanto eu
era médico, não tinha horário para trabalhar,
começava ás sete horas e parava saía meia
noite, uma hora da madrugada...Quando eu desisti da medicina,
o mesmo esquema de trabalho, a mesma carga de horário
eu transpus para literatura, então eu trabalho em média
de 14 a 15 horas por dia, isso direto, então tem de produzir...
International Press – Quando o senhor começou o
seu trabalho? Pois, para escrever mais de mil livros, são
necessários muitos anos e muitas e muitas horas...Você começou
escrever desde a infância? Como foi a sua infância?
Inoue – Eu escrevi, comecei a escrever esses mil e vinte
livros, desde de primeiro de julho de 86 pra cá. Até 1986
escrevia mas não pensava em publicar. Escrevia crônicas,
um outro artigo, sempre gostei de escrever, mas eu nunca tinha
pensado em sentar para escrever um livro. Quando eu desisti da
medicina, cheguei a conclusão que trabalhar com esse esquema
de saúde que o Brasil tem, inviável para trabalhar
direito, eu pensei em escrever um livro e mandei para uma editora
no Rio de Janeiro, a editora respondeu uma semana depois, mandou
um cheque e disse que, o que eu produzisse eles comprariam, então
aí que eu comecei. E com essa garantia eu fui escrevendo,
até lotar essa editora. Chegou um ponto em que não
cabia mais, eu tive que partir para uma diversificação
e comecei a escrever para todas as editoras de livro de bolso
do Brasil. Fazia uma média anual de 25 livros por mês.
International Press – Sabemos que quase todos os escritores
possuem a hábito de leitura. E quanto a você? Quais
são as suas leituras preferidas?
Inoue – Eu leio praticamente tudo, eu gosto de ler, então
nos momentos em que não estou escrevendo, eu estou lendo.
Eu leio muito os best-sellers americanos que não é tanto
como fonte de inspiração, mas como fonte de inspiração
para aquilo que o povo está procurando ler. Agora fora
isso, eu gosto de ler alguns clássicos, aí já é mais
para relaxar. Eu não vou estudar um clássico, eu
vou descansar num clássico. Dentro da literatura brasileira
atual, o Fernando Sabino é um dos grandes, isto porque
ele tem uma redação, uma forma de escrever como
se a gente estivesse permanente conversando com ele. Então é uma
leitura leve, agradável e se não fosse o livro
da Zélia, acho que ele estaria em uma ponta danada...
International Press – O que você acha da abertura
de mercado, a invasão dos empresários japoneses,
americanos... O que você acha da abertura de mercado? É bom
para o Brasil?
Inoue – Claro que é bom para o Brasil! Mas além
de abrir o mercado precisa abrir a cabeça. Acho que não
adianta abrir o mercado sem abrir a cabeça do brasileiro.
Eu acho que a invasão tecnológica do Japão
muito mais que a dos Estados Unidos é fundamental para
o desenvolvimento do Brasil. Foi o que aconteceu com o Japão,
o Japão conseguiu trazer para dentro do Japão o
início da tecnologia norte americana e alemã, conseguiu
aperfeiçoar e hoje é o maior. Então, nada
impediria o Brasil de tentar copiar. Mas não, tem uma
mentalidade de que essa reserva de mercado de tecnologia é idiota.
Atrasou o Brasil por 50 anos na eletrônica. E acho que
acabando essa reserva vai melhorar muita coisa.
International Press – E o seu novo livro que está escrevendo
tem alguma relação com o assunto que cogitamos?
Inoue – “A Bruxa”? (sim) Não, não...É um
livro meio místico que prega o não egoísmo.
A idéia que o livro prega é a do não egoísmo
e transmite a idéia que uma pessoa pode ser até egoísta,
mas ela deve permitir que o egoísmo dela seja controlado.
E o que acontece é que o egoísmo dela (bruxa) é tão
grande que ela faz um pacto com o demônio e é a
partir daí que o romance se desenvolve e não tem
nada a ver com política, com coisa nenhuma, absolutamente
nada. Mas, possui alguma coisinha a ver com segregação
racial.
International Press – E por falar em misticismo, o que
o senhor acha do Japão?
Inoue – Acho que é mais uma prova de sabedoria.
Porque a unilateralidade é mística é um
erro, leva ao fanatismo e no fim não traz nenhum proveito
para alma do homem. Agora enquanto a pessoa pode ser eclética
ou ecumênica, com certeza ela pode captar coisas boas de
diversas religiões e pode formar a sua própria
religião.
International Press – E o país Japão, esse
império irá continuar por muitos e muitos anos?
Pois, sabemos que os grandes impérios nunca duraram tanto.
Inoue – Eu acho que o Japão é um país
sui generis a esse aspecto. É um império que tem
milhares de anos e que deverá continuar, da mesma maneira
que um carvalho demora 50 anos para ficar com três metros
de altura (ou cinqüenta metros de altura, algo assim), enquanto
que o eucalipto em 5 anos tem 22 metros. Só que a madeira
do carvalho é eterna e a madeira do eucalipto em um ano
está podre. Então o que acontece com o Japão é isso,
o tempo da infância do Japão foi muito mais longo
que o tempo de infância do império romano. Então
a evolução do Japão foi dentro de uma economia
fechada, de uma cultura mais fechada, foi indo devagarzinho e
na hora em que o Japão abriu as portas e começou
a filtrar o bom da parte ocidental, acredito que aí ele
começou realmente a sua curva de ascensão. Então
a sua pergunta de que o Japão duraria muito tempo...Espero
que ele dure por muito e muito tempo. E acredito que a hegemonia
intelectual do Japão vai ser muito maior de que qualquer
outro império que já tenha existido. Exatamente
porque os japoneses tem uma filosofia muito mais sábia
do que as dos gregos e romanos. E uma frase que eu acho que é minha,
que é um lema para mim é que o homem precisa ser
como um bambu, ele dobra e quando passa o vento ele fica de pé de
novo. E se for como um pinheiro ele quebra.
International Press – Sabemos que após a segunda
guerra mundial a educação do Japão foi influenciada
profundamente, se foi bom ou não, eu não sei. E
nesses últimos anos é que houve uma reforma bastante
representativa na educação do Japão. Será que
isso viria causar um grande impacto nas tradições
japonesas?
Inoue – O impacto sempre vai existir, as tradições
devem permanecer e com o correr do tempo ela deverá ser
modificada, mas eu acredito que o alicerce deve permanecer.
International Press – Com a influência dos Estados
Unidos após a segunda guerra mundial, a educação
no Japão não dava muito valor ao canto do hino
nacional e hoje com a reforma educacional nesses últimos
anos houve pequenas mudanças. E também a formação
de um exército de “tropas de paz”, isso tudo
não viria a comprometer a paz mundial, pois muitos japoneses
estão contra essa formação de exército,
mesmo sendo de paz?
Inoue – O pessoal que está no Japão e é contra
eu considero como espírito de porco e pessoal que está fora
e é contra eu considero como previdentes. Os japoneses
tem uma posição do panorama militar mundial de
um povo que dificilmente perde guerras, perdeu a segunda guerra
porque não tinha jeito e era um outro assunto. Então,
a formação de um exército japonês
deve assustar muita gente.
International Press – E quanto ao início de nossas
raízes, os imigrantes japoneses, você já tentou
ou tem planos para escrever sobre eles?
Inoue – Bem, agora aquela esnobada (risos). Bem, a nossa
equipe tem preparado um livro para ser lançado no Enchem
Festa do ano que vem, um romance de ficção, no
entanto, existe a parte histórica colocada junto. Esse
romance é a história da saga de seis famílias
importantes dentro da colônia. E junto com esse romance
iremos fazer um histórico sobre o bairro da Liberdade,
mostrando porque esse bairro tornou-se num bairro japonês.
Agora, eu não tenho pretensão de colocar os acontecimentos
negativos da segunda guerra nesses romances. Eu acho que houve
muita segregação, mas, acho que não houve
tanto para chegar a marcar e isolar o japonês.
International Press – Bem, vendo a sua forma de expressar,
noto que o senhor tem o pensamento bastante liberal e jovial.
Para que público você escreve? Ou não existe
público?
Inoue – Não há público, eu escrevo
para mim. Quando eu vou escrever um romance maior, uma coisa
mais séria. Eu faço como se estivesse contando
a história para mim. Se a gente vai escrever para um determinado
público, acabamos caindo naquela velha história
dos escritores tradicionais como o Jorge Amado que vai escrever
para exportar, então escrevem viva o nordeste, nordeste
e nordeste. Ou vai escrever para um público intelectualizado
e intelectolóide dentro do Brasil que vai ficar procurando
coisinhas, então se põe uma frase super complicada
que não quer dizer absolutamente nada e o cara aplaude.
Se você fala abertamente, claramente a mesma frase com
sentido, dizem...Ah, não...O livro do Chico Buarque por
exemplo o “Estorvo” é um livro que ao lermos
da primeira a última palavra e eu não conseguimos
encontrar nenhuma concatenação de idéia,
está perfeito, gramaticamente, ortograficamente impecável
e a parte pensante está faltando porque você não
chega a conclusão nenhuma, eu não consegui entender
o que o Chico quis dizer com aquele livro. Então na crítica
que eu fiz ao Chico dizendo que é um livro que sai do
nada e chega em lugar nenhum, ele ficou muito bravo.
International Press – Por último, a meta da International Press é crescer, informar seja no Brasil assim como no
Japão e os nossos leitores no Japão são
os brasileiros que estão trabalhando naquele país.
Soube que você pretende lançar seus pocket books
para os brasileiros que lá vivem, então que tal
uma mensagem a eles?
Inoue – Como brasileiro eu sou obrigado a lamentar que
valores saiam profissionais do Brasil pra tentar a vida lá fora.
Como nikkei eu me sinto orgulhoso de ver que o espírito
de luta não acabou. Mas, o resumo disso, eu acho que o
pessoal que saiu daqui para batalhar lá fora, no fundo
eles estão certos, eles vêem um horizonte mais amplo
e tem que lutar por esse horizonte mas se eles voltam ou se eles
acabam se radicando por lá e são felizes, que sejam.
Da mesma maneira que os nikkeis daqui não esqueçam
que são japoneses, que eles não se esqueçam
que são brasileiros.
FONTE: International Press, 15 de julho de
l992