Ryoki Inoue

por Guilherme Montana
Brasília, 9/8/2010 - Digestivo Cultural

Ele escreveu e publicou (até o momento) 1.086 livros. Romances policiais, ficção científica, thrillers políticos, faroeste e terror. Publicou também manuais ensinando a escrever ficção, baseados em sua experiência prolífica (o adjetivo mais usado por todos em relação a ele). É o autor recordista no Guinness Book. Um escritor capaz de produzir capítulos de livros em visitas ao banheiro, como deu no Wall Street Journal. Produzia um livro por dia. Às vezes, mais de um.

Além de livros, escreve roteiros ? e disso também dá aulas. Além de roteiros, presta serviços como webwriter. Além de livros, roteiros e webwriting, também dedica algum tempo para a atividade de ghostwriter. Antes que eu esqueça, também é editor.

Ryoki Inoue começou a escrever no final dos anos 80, já com quarenta anos de idade. Era médico, cirurgião torácico. Deixou a saúde e passou a se dedicar integralmente à literatura, escrevendo sob mais de trinta pseudônimos. Sozinho, era responsável por mais de 90% dos pocket-books comprados na década de 90, aqui no Brasil.

Seu nome completo é José Carlos Ryoki de Alpoim Inoue. Brasileiro nipo-lusitano (pai japonês, mãe portuguesa), nascido em 1946 na capital paulista. Hoje, Ryoki Inoue é publicado por grandes editoras, como Globo e Record, por exemplo.

O Brasil, "país que lê pouco", como todos nós já falamos um dia, tem dois fenômenos editoriais: um chamado Paulo Coelho, recordista de vendas; outro, Ryoki Inoue, recordista de produção. Aquele, não muito querido pela crítica ? com justiça ? por sua pouca habilidade literária, mas a quem não posso negar o crédito de ter incentivado a leitura. Este, menos conhecido que o primeiro, autor de mais de mil obras ? que paradoxo ?, mas também um incentivador da leitura e que tem em mente, e na ponta dos dedos, o claro objetivo de escrever para entreter. ? GM

1. As primeiras coisas que gostaria de saber, Ryoki, são as curiosidades básicas que um escritor recordista desperta e sobre as quais você, suponho, deve falar com frequência: como você consegue escrever tanto? Qual a sua rotina de trabalho hoje? (E como era na década de noventa, quando você foi elencado no Guinness Book?) Há alguma espécie de ritual ou preparação para o momento da escrita?
Sempre digo que escrever é 99% de suor e 1% de talento. Publicar e vender já é um pouco diferente: 98% de suor, 1% de talento e 1% de sorte. Sobreviver da escrita num país como o nosso, onde poucas pessoas leem, é muito complicado e requer realmente muito esforço. Assim, minha produção literária é principalmente uma questão gástrica: se não escrever e não publicar, ninguém come aqui em casa.

Na década de 90 era uma loucura. Quando assinei, sem pensar, um contrato com a Abril para produzir cinquenta títulos em dois meses, esqueci que já tinha firmado compromisso com outras duas editoras. O resultado foi eu ter de escrever três livros por dia durante esses dois meses. Hoje em dia a coisa é bem mais light. Acordo às sete da manhã, tomo meu café e vou fazer uma caminhada de uma hora. Com 64 anos, isso é fundamental. Começo a trabalhar entre oito e meia e nove horas. O período da manhã é dedicado à minha editora e depois do almoço, lá pelas duas horas, começo a trabalhar nos livros que estou escrevendo (normalmente escrevo dois ao mesmo tempo), no momento um sobre os desmandos na Igreja Católica nos últimos 20 anos (Também se lava com água benta) e um outro sobre a lavagem de dinheiro com o reflorestamento (Fraude Verde). Trabalho até sete da noite, janto, assisto o jornal e volto ao trabalho até mais ou menos meia-noite.

Se você considerar que encher e acender meu cachimbo é um ritual de preparação, então há. Caso contrário, não tenho esse tipo de frescura. Escrever é um trabalho como outro qualquer, para mim. É sentar e escrever. Claro que há algumas exigências como, por exemplo, não deixar que me interrompam (minha secretária atende todos os telefonemas e só passa para mim se for algo realmente importante ? e ela tem discernimento e treinamento para essa filtragem), o escritório tem de estar arrumado (sobre a mesa não pode haver nada além do computador, o cinzeiro e o apoio do cachimbo). E, evidentemente, o computador tem de estar completamente operacional. Odeio falhas de eletrônica.

2. Para quem produziu tanto (e ninguém produziu mais), o senhor acha que o seu reconhecimento é justo? Digo, se lhe atribuem mais o valor da quantidade e não o da qualidade? Como o senhor vê sua obra no panorama da literatura brasileira de agora?
Creio que, na realidade, ninguém acha que é suficientemente reconhecido por seu trabalho. Não sou diferente. Porém, no meu caso, tomo a liberdade e a ousadia de achar que tenho razão. Existe uma maldita mania de acharem que quem produz quantidade não produz qualidade. Acho que quem fala isso deveria no mínimo ler alguma coisa do que eu escrevo para depois criticar.

Sempre tive como meta a literatura de lazer. O que escrevo é feito para leitores comuns, aqueles que buscam distração, tentam sonhar por algumas horas nas páginas de meus livros. Não tenho intenções de eruditismo e muito menos sonhos acadêmicos. Acho que a literatura que eu pratico é a mais adequada para o momento atual do Brasil, um país em que o povo está se intelectualizando, buscando aprender a gostar de ler. E, para desgosto e desespero de muitos, acho que nós, escritores brasileiros, devemos isso ao Paulo Coelho, que ensinou o brasileiro a comprar livros.

3. É uma ótima proposta, essa de uma literatura de entretenimento, sobretudo agora, no Brasil. Nos anos 90, o senhor criou um James Bond nipobrasileiro, o Mário Kiyoshi Nogaki. Os jovens brasileiros hoje têm lido mais, há muita fidelidade por parte dos leitores para com seus ídolos fictícios (Harry Potter, Percy Jackson, os vampiros e lobisomens juvenis de Stephenie Meyer etc). O senhor já cogitou trabalhar com esta literatura juvenil sobrenatural? Ou mesmo em retomar as aventuras do Nogaki? Seu foco, agora, é mesmo o entretenimento adulto? O que o senhor acha da literatura de "entretenimento adulto" produzida hoje no Brasil?
Não gosto desse estilo dito "sobrenatural". Vampiros não me atraem e nem lobisomens. Já escrevi alguns romances com tendências espiritualistas, um dos quais (Herança Maldita) fala de uma verdadeira guerra entre a Umbanda e a Quimbanda. Mas, decididamente, não é a minha praia.

Estou escrevendo o quinto título do Nogaki, realmente. Ele já com quase cinquenta anos, mas ainda muito ativo. É minha intenção retomar esse nicho, agora mais voltado para o Brasil.

Não vejo muita diferença entre entretenimento "adulto" e "juvenil" hoje em dia. Assim acho que livros do tipo O fruto do ventre ou Quinze dias em setembro podem despertar o interesse tanto de jovens como de "adultos". De mais a mais, meu foco sempre foi, é e acredito que sempre será a literatura de lazer. Não tenho a menor intenção de voltar minhas baterias para outro alvo.

Tirando o [Tony] Belotto, acho que está faltando esse tipo de literatura nas nossas livrarias. Os escritores brasileiros têm uma terrível tendência ao academicismo, ao eruditismo. E literatura de lazer não deve ser assim. A linguagem tem de ser o máximo possível coloquial e o autor não pode deixar que seus fantasmas escrevam o texto. Na maior parte das vezes, esses fantasmas não são muito claros e isso prejudica o entendimento do leitor. E o leitor que busca a literatura de lazer não quer ser obrigado a pensar demais no que está lendo. Ao contrário, ele quer "ver" o percurso dramático como se estivesse assistindo a um filme.

4. Para o senhor, que escreveu tantos policiais, existe um cânone da literatura policial brasileira? Se o senhor tivesse de escolher candidatos para este cânone, que obras seriam? Aliás, considerando-se que o senhor escreve pelo entretenimento, como o senhor vê o assunto "cânones literários"? Por fim, existiria um cânone da literatura de entretenimento?
Sim, o Rubem Fonseca. Seguido de perto pelo Belotto. Qual obra é difícil dizer, mas Agosto, do Rubem, seria candidata forte. Já a questão dos cânones é uma discussão estéril. A literatura de lazer não deve admitir cânones literários, mesmo porque não há espaço para muito eruditismo.

Eu considero o Harold Robbins um ícone (prefiro esta palavra a "cânone"). E também o Sidney Sheldon.


5. O senhor tem livros com temas religiosos (Herança Maldita, O fruto do ventre), políticos (E agora, Presidente?), históricos (Saga) e místicos (O nome não importa). Como é seu trabalho de pesquisa? É estritamente bibliográfico? O senhor, que tem uma imaginação tão prolífica, acha que há limites para as "licenças narrativas" (deturpações da realidade, dirá o leigo), seja no que convencionamos chamar de "literatura de entretenimento", seja na "alta literatura"?
Respondendo pelo fim: a verossimilhança é condição importantíssima. Tem de ser respeitada em todos os casos e sob todos os aspectos. Por isso a pesquisa é fundamental. Seja bibliográfica ou in loco, é preciso pesquisar de maneira a não se falar barbaridades na hora de transmitir ao leitor. Não vale usar excesso de licenças narrativas e isso em qualquer tipo de literatura que não seja aquelas (que eu detesto) que tendem para o fantástico, para o que é sabido que não pode existir. Meu trabalho de pesquisa, obviamente, antecede a escrita e é normalmente muito mais longo e complicado do que a redação do livro propriamente dita. Pesquiso em livros, na Internet e, sempre que possível, vou aos lugares onde faço transcorrer a ação dramática para vivenciar no local e ao vivo os ambientes.

6. O senhor mencionou o Tony Belloto. O que acha da Patricia Melo, que já foi apelidada de "Rubem Fonseca de saia"? Esta nova geração, nomes como Eduardo Spohr e Luis Eduardo Matta, o senhor tem acompanhado? Sobra tempo para ler as novidades?
Sim, sobra tempo (pouco) para ler a acompanhar as novidades. Falei do Tony, deveria ter mencionado a Patrícia e o Luis Eduardo. Foi mero esquecimento, perdoem-me, os dois. Mas há muita gente boa e que ainda são absolutamente desconhecidos. Assim, por exemplo, o Sandoval Assef, o Fábio Fujii, o Nelson Machado...

7. O senhor também é autor de livros tutoriais sobre como escrever romances. O "caminho das pedras" que o senhor traça como mentor literário é baseado na sua própria produção?
O caminho das pedras, assim como a sua versão mais aprofundada, Vencendo o desafio de escrever um romance são a descrição do meu método pessoal e particular de trabalhar. Procuro mostrar como faço para criar um romance. Apenas isso. O último mencionado gerou um curso de 10 aulas que ministro on-line e presencialmente. Já tive vários alunos que, depois do curso, escreveram bons romances e publicaram.

8. Gostaria que o senhor falasse de suas outras atividades relacionadas à escrita criativa. Roteirização, webwriting, ghostwriting. Como e quando o senhor começou a roteirizar? Sobre webwriting: o senhor acha que a escrita para a Web é só uma moda que antecede a estabilização dos leitores eletrônicos (e-readers como o Kindle) ou é um tipo de redação que durará mais temporadas? E o ghostwriting, a demanda é grande? Daria para viver só disso?
Comecei a estudar formatação de roteiros para cinema e teledramaturgia com o Renato Bulcão, em 1997. De lá para cá fiz vários roteiros para filmes e alguns para a televisão. Porém, esse mercado é muito limitado, pois todos os diretores e autores acham que podem ser roteiristas...

O trabalho de webwriting veio para ficar. É uma linguagem nova que tende a evoluir e esperamos que venha a ser uma boa evolução. Webwriting não tem nada a ver com o vocabulário sincopado e estranho que se usa no Twitter, por exemplo. Isso, aliás, deveria ser combatido, pois é uma terrível deturpação do vernáculo. Nossa esperança é que os e-readers também tenham chegado para ficar, só temos de lutar para impedir o monopólio das grandes... Precisamos fazer com que nossos e-books possam ser lidos por qualquer leitor eletrônico.

Quanto ao trabalho de ghostwriting, a demanda é bem grande. Não produzo teses, trabalhos de formatura e outras coisas que devem ser feitas pelo próprio autor. Isso eu acho desonestidade. Porém, discursos, formatação de relatórios e principalmente romances, nós fazemos. E são muitos os autores que, por falta de tempo para cumprir um determinado contrato, por exemplo, contratam nossos serviços. Porém, a maioria dos nossos clientes de ghostwriting é constituída por pessoas que têm excelentes ideias para um romance, mas não detêm o know-how suficiente para desenvolvê-lo. Há muita demanda e, para aqueles que, como eu, não têm a vaidade de ver seu nome na capa de um livro, daria perfeitamente para viver só disso.

9. O senhor também é editor. Quais são as falhas que o senhor aponta no mercado editorial, sob o ponto de vista de autor? Na sua atividade editorial, como o senhor lida com elas? O assunto quente do momento são os e-books e seu incipiente mercado editorial. O que o senhor acha da transição papel-pixel no o mercado brasileiro?
O mercado editorial é cruel, perverso e muito difícil. Fora do Brasil, pelo que tenho ouvido dizer, é igual. Os novos autores têm pouca chance de um lugar ao sol mesmo porque as editoras nem sequer têm o cuidado de ler seus originais. Está certo que há uma profusão de originais chegando todos os dias... Mas essas editoras poderiam aceitar o projeto literário e, uma vez este julgado interessante, pediriam o original completo. Daria muito menos trabalho para a análise e, provavelmente, mais oportunidade para os novos e bons autores que, desiludidos, acabam por engavetar suas obras, privando o público, muitas e muitas vezes, de textos extremamente bons.

Na Ryoki Produções, esses problemas não existem. Como grande parte das editoras norte-americanas (aliás, a ideia foi copiada de lá), o autor financia a publicação de sua obra, portanto, é dono absoluto da edição. Não há royalties a serem pagos. Ele pode optar por distribuir pessoalmente seu livro ou contar com o serviço de nossa distribuidora, que prestará contas diretamente a ele. Nós sempre aconselhamos a tentar evitar distribuidoras, pois elas cobram muito caro e, o maior problema, trabalham mal. As vendas nos lançamentos, em palestras, através da Internet e através de nossas duas livrarias virtuais funcionam muito melhor. Normalmente, a venda de 40% da edição cobre com folga o investimento feito na publicação. O resto passa a ser lucro e, então, pode ser entregue para uma distribuidora. Atualmente, com o advento dos e-books, esperamos que a "coisa" possa melhorar para o nosso lado (autores e editores pequenos). Em minha editora, estamos investindo forte nesse setor. Aliás, será bom em todos os sentidos, inclusive no sentido ecológico, pois muita árvore poderá deixar de ser derrubada. Nós, da Ryoki Produções, estamos editando livros em formato e-book e dando gratuitamente para o autor 20 exemplares em papel. Se alguém quiser comprar o livro em papel e não em formato e-book, nós atendemos, produzimos quantos exemplares essa pessoa comprar. Mas o foco está nos e-books. Ainda é um pouco complicado, mas chegaremos lá... Afinal, temos de acompanhar de perto o desenvolvimento, não acha?

10. Mais de mil livros publicados. Uma pergunta mais pessoal: o quanto de soberba tem nesta marca?
Nenhuma, mesmo porque eu jamais pretendi alcançar esse número de publicações. Acontece que era tão mal remunerado que era preciso produzir muito para manter o mesmo trem de vida de quando era médico. Ainda bem que eu sempre encarei o ato de escrever como um trabalho e não como diletantismo. Assim, eu trabalhava. Cerca de 16 horas por dia, às vezes até 18 horas. Todos os dias. Por isso produzi tanto. Foi muito mais uma questão gástrica do que qualquer outra coisa.