Nem
Sempre Rima é Poesia
O Luis Nassif – grande cronista! – põe-me
um sentimento de inveja quando discorre sobre
o Rio antigo. Aliás, nem tão
antigo assim, pois os meados do século
passado não vão tão
longe a ponto de justificar o termo. Talvez
fosse mais apropriado dizer Rio “velho”,
mesmo porque estaríamos falando justamente
sobre a época que eu estou neste planeta – e
já estou velho.
Essa inveja que
diga-se de passagem, é saudável,
obriga-me a procurar nos já bastante
poeirentos arquivos da memória alguma
coisa, algum fato para narrar, unicamente
para não permitir que se possa pensar
que saudosismo só existe entre os
cariocas e que o paulistano – na
verdade pouquíssimos hoje em dia,
muito mais da metade dos habitantes da
Paulicéia Desvairada são
oriundos de outras terras nacionais ou
estrangeiras – também pode
ter tempo de sentir saudade.
Saudade dos litros
de leite – de
vidro, com tampa de alumínio – nas
soleiras das portas da rua Martim Francisco,
sempre acompanhados por uma bengala de
pão e, muitas vezes, por um jornal
que tanto podia ser O Estado de São
Paulo como a Folha da Manhã. E ninguém
mexia...
Molecote, distraía-me vendo através
da janela da sala de aula do Colégio
Santo Américo, os Gloster Meteors
recém-adquiridos pela FAB que decolavam
do Campo de Marte e vinham fazer evoluções
sobre nossas cabeças, ali no bairro
de Santa Cecília. Velhos jatos,
muito mais barulhentos do que eficientes...
Lembro-me, também, dos fins de
tarde com as pessoas sentadas à calçada,
cadeiras puxadas para fora, transformando
a frente de suas casas em sala de estar.
E não havia o risco de assaltos,
seqüestros ou mesmo de um automóvel
subir a guia e atropelar todo mundo.
Pelo menos duas vezes
por semana, no verão,
ia tomar um sorvete no Rafael, na praça
Marechal Deodoro, ouvindo os bandos de
pardais procurando poleiro nas árvores.
Nunca houve nenhum
tipo de incidente desagradável
comigo ou com qualquer um dos nossos colegas,
na ida ou na volta à sorveteria.
Ninguém foi seqüestrado, assaltado
ou molestado. No máximo acontecia
um confronto de desafios e xingamentos
entre as turmas da rua Baronesa de Itu
e a nossa, mais centrada ali na São
Vicente de Paula e Gabriel dos Santos.
E, por mais ameaças que tivessem
acontecido, jamais chegou a acontecer mais
do que um empurrão.
Nas eleições de 1959, o
rinoceronte “carioca” Cacareco
foi feito candidato a vereador e – pasmem! – teve
mais votos do que qualquer outro. O partido
mais votado não chegou nem perto
dos 100.000 votos que o simpático
paquiderme conseguiu. E só não
tomou posse porque os políticos
de plantão na época cuidaram
para que, na noite da antevéspera
da votação, ele fosse devolvido
ao Rio de Janeiro. Tinham medo, creio eu,
que Cacareco impusesse suas opiniões à força
de seu peso – físico e político – durante
as reuniões da Câmara.
E, por falar em Cacareco,
deixo meu pensamento voar um pouco e
imagino se não seria
o momento de buscarmos um outro candidato à altura
desse honorável rinoceronte para
fazer frente à súcia de abutres
que esvoaçam sobre o nosso Brasil,
certamente imaginando que por aqui há muita
carniça, mas esquecendo-se de que
o mau cheiro que sentem – e que os
atrai – não é nada
mais e nada menos do que a sujeira que
eles mesmos por aqui depositaram.
Pensei num gorila,
num chimpanzé,
talvez num orangotango... Mas logo desisti.
Seria uma ofensa muito grande para qualquer
um desses honestos primatas.
Talvez um avestruz,
que sempre é representado
com a cabeça metida num buraco para
não enxergar nada e que devora tudo
o que vê pela frente, especialmente
se for brilhante. Mas não. Também
não serve. Atualmente avestruz é comida
de rico. Seria muito fácil a “oposição” inventar
algum trocadilho indelicado. Para isso,
todos eles são excelentes. “Malhar” o
adversário é com eles mesmos.
Escarafunchando as
já emperradas
gavetas cerebrais, chego à conclusão
que a primeira associação
de idéias é a mais válida:
teríamos de encontrar um urubu para
ser um candidato que pudesse ter o porte
político de Cacareco.
Poríamos nele um nome que, por delicadeza,
não rimasse com o “u”.
E que me perdoem os urubus.