Ano I - Numero 1 - Novembro de 2010 - Dicas e Artigos sobre Manifestações Artisticas e Literarias
A Arte de Fumar Cachimbo
Muitos insistem em dizer que qualquer um pode dominar a arte de fumar um cachimbo. A realidade é um pouco diferente.
Fumar cachimbo é um estado de espírito. Uma boa cachimbada é uma fonte de conforto, de inspiração, e o cachimbo é, sem dúvida, um grande amigo e companheiro.
Portanto, além da prática, para que alguém se torne um autêntico “cachimbeiro”, é preciso algo mais além de aspirar e soltar uma fumaça aromática. O já referido “estado de espírito” é fundamental.
Fumar cachimbo é sempre visto como algo elegante e sofisticado, o que leva muitas pessoas a quererem fazê-lo, mas o fato é que poucos sabem o bastante a respeito dessa arte. Fumar cachimbo é adotar um ritual ocioso de descontração e prazer, que requer atenção, destreza e conhecimento.
Talvez seja esta a razão que leva a maioria das pessoas a associar o cachimbo com nobreza, sofisticação e intelectualidade. O cachimbo, embora partilhe algumas similaridades com o charuto e os cigarros, é muito diferente. Um cachimbo é muito mais difícil de fumar, pois demanda mais que uma boca e um fósforo. É necessário dominar alguns artifícios, como o de encher o fornilho, acender eficazmente o tabaco e o ritmo de fumar para mantê-lo aceso, e poder apreciar o verdadeiro sabor dos tabacos.
Antônio Carlos Garcia, famoso psiquiatra paulistano, diz – talvez com razão – que o ato de fumar cachimbo não passa de um autoendeusamento. Pode ser... Mas temos de admitir que a maioria dos atos de um indivíduo que visa aproveitar a sua solidão voluntária não deixa de ser atos ou atitudes de auto-endeusamento.
Deixando de lado essas filosofadas, aliás, excelentes para uma conversa ao redor de uma mesa com a companhia de bons cachimbos, vamos falar do que é preciso para se bem aproveitar os momentos de auto-endeusamento e de introspecção que nos propiciam uma boa cachimbada. Evidentemente, a peça principal é o cachimbo. Sem ele, não há cachimbada...
Selecionamos os oito tipos básicos de cachimbos, com suas respectivas características. A partir desses modelos, ocorrem as incontáveis variações que tornam a existência dos colecionadores de cachimbos altamente eletrizante, para não dizer “angustiante”. Na figura abaixo, mostramos a “anatomia” de um cachimbo com o objetivo de ilustrar aos leitores, especialmente aqueles que não são cachimbeiros.
Qualquer um desses modelos pode ser curvo, reto ou semicurvo.
Quando é curvo ou semicurvo, acrescenta-se a palavra “bent”. Assim, um modelo “Apple”, pode ser encontrado com a piteira reta, meio curva ou bem curva. Quando essa curva é bastante acentuada, dizemos que é um cachimbo “full bent”.
Cada cachimbeiro acaba por ter o seu cachimbo predileto, o que não significa obrigatoriamente que seja o mais fumado. Um autêntico cachimbeiro jamais fuma o mesmo cachimbo duas vezes num mesmo dia. Isso, evidentemente, implica na obrigatoriedade de possuir no mínimo três cachimbos – de preferência um reto, um curvo e um semicurvo.
A escolha de um cachimbo é algo extremamente pessoal. Por isso, dar um cachimbo de presente para alguém é tarefa das mais arriscadas. A possibilidade de decepcionar é muito maior do que a de agradar.
Uma regra que se observa entre os cachimbeiros mais veteranos é a de que o tamanho do fornilho de um cachimbo deve abrigar perfeitamente o polegar direito de seu proprietário. Outra coisa importante: quando se fuma um cachimbo fazendo outra coisa com as mãos, por exemplo, escrevendo, deve-se dar preferência aos curvos e semicurvos. Já para quem quer fumar enquanto medita, escuta uma música ou simplesmente aproveita o ato de cachimbar, o cachimbo deve ser reto. Isso porque os cachimbos curvos e semicurvos equilibram-se melhor na boca sem o auxílio da mão.
O cachimbo, em si, como objeto, é uma peça de beleza indiscutível. Mesmo quem não seja um conhecedor de cachimbos, certamente verá essa beleza.
O próprio cachimbo é uma forma de arte, a maioria deles brotando das mãos de um artesão. São vários os aspectos a considerar no cachimbo, o material (urze, espuma do mar, espiga de milho, porcelana, madeira...), o formato do fornilho ou da haste, o ângulo da conexão, a piteira e a sua perfeita adaptação à boca do proprietário.
Por todos esses motivos, o cachimbo não é um objeto de baixo custo. Existem alguns que são bem caros.
Listamos aqui alguns exemplos:
Davidoff – Em 1911, a Tabacaria Davidoff surgiu na Suíça, especializada em charutos. Quase em seguida, a Davidoff firmou uma parceria com alguns fabricantes de charutos (muito bons) da República Dominicana, passando a produzi-los com sua própria marca. Em 1974, começou a produzir cachimbos e tabacos para cachimbo (uma extensa variedade que implica em tabacos aromatizados e misturas do tipo inglês, em que o taste é obtido a partir de misturas de diferentes tipos de tabaco, sem qualquer adição de aromatizantes). Um cachimbo Davidoff regular não custa menos do que 500 euros.
Dr. Plumb – Das famosas, esta marca é uma das mais acessíveis em termos de preço. E não deixa de ser uma das melhores, em qualidade.
Inicialmente produzida em Saint Claude (França), a marca foi adquirida pelo grupo Oppenheimer, justamente para suprir uma fatia do mercado consumidor que não se dispunha a pagar caro, mas que fazia questão absoluta de qualidade. Um Dr. Plumb, hoje, custa cerca de 200 euros.
Dunhill – Seguramente, são os cachimbos mais caros fabricados hoje em dia. A marca surgiu em 1907, como uma loja de artigos de couro para motoristas, onde eram vendidos cachimbos produzidos por terceiros.
Em 1910 começou a fabricar seus próprios cachimbos, dando ênfase especial à qualidade. Evidentemente, os preços praticados eram altos – os mais altos de Londres. Mas a qualidade inegável fez com que a marca prosperasse. Hoje, um Dunhill desenhado por Porsche não é encontrado por menos de 2 mil libras esterlinas.
GBD – Hoje também do grupo Oppenheimar, a marca foi criada em 1850 por Grannevar, Bondier e Denninger. Inicialmente, especializaram-se em fabricar cachimbos de meerschaum. No início do século XX, começaram a fabricar cachimbos em briar, de alta qualiudade. Gasta-se num bom GBD não menos que 300 euros.
Peterson – É a marca irlandesa mais famosa. Começou em 1865, com a fusão da marca Heirich-Frederick Kapp e a Charles Peterson. A Kapp & Peterson inovou com suas piteiras cujo furo de saída para a fumaça era voltado para o céu-da-boca e com um repositório sob o corpo do cachimbo, destinado a acumular a umidade e proporcionar uma fumada mais seca. São cachimbos habitualmente mais caros, custando em média 600 libras esterlinas, cada exemplar.
Savinelli – É a mais famosa marca italiana de cachimbos. Teve início em 1876, vendendo cachimbos com essa marca e produzidos por artesãos da região de Versace, perto de Milão. A maioria dos cachimbos Savinelli é produzida com briar de alta qualidade e de diversas regiões da Itália, custando entre 300 e 800 euros cada um.
Stanwell – Esta famosa marca dinamarquesa começou em 1942. Produz principalmente cachimbos freehand, ou seja, exclusivos e integralmente feitos à mão, desenhados por artesãos consagrados como Sixteen Ivarson e Tom Etang. Justamente por isso são cachimbos únicos, personalizados e caros, custando em média mil euros cada um.
O segundo elemento indispensável para uma cachimbada é o tabaco, obviamente. Uma das vantagens que o cachimbo tem sobre o charuto e o cigarro é a quantidade de tabacos disponíveis, pois existem milhares de marcas com inúmeras misturas e diversos tipos de tabaco que, por sua vez, podem originar infindáveis blends, bem ao gosto de cada cachimbeiro.
Não há uma limitação geográfica para a produção de tabacos para cachimbo, ao contrário do que ocorre com os tabacos destinados à produção de charutos. Quase todas as regiões do mundo produzem tabacos para cachimbo. É bem verdade que algumas produzem melhores tabacos, outras detêm uma melhor tecnologia para o processamento dos mesmos. Por exemplo: o Latakia, um tabaco oriental bastante conhecido pelos fumantes de cachimbo, é curado sobre uma fogueira de madeiras exóticas, o que lhe confere um sabor único; o Periqué, um tabaco da Louisiana, que é fermentado, demonstra um sabor apimentado com passas; o Xanthi, um tabaco turco, evidencia um aroma complexo, lembrando avelãs tostadas...
Esta diversidade aromática dos tabacos é, adicionalmente, incrementada pelos métodos de secagem, prensagem e corte, que são diversos, e todos eles proporcionando diferentes aromas. Para além do tabaco, por vezes existe a adição de essências aromáticas, como a baunilha e a cereja.
Existem aproximadamente 40 variedades de Nicotina tabacum e Nicotina rústica, as duas espécies abastecem o mundo todo com tabaco puro. Como cada uma delas é dona de características e qualidades diferentes, a façanha de criar um tabaco para cachimbo consiste justamente em combiná-las de forma adequada, explorando ao máximo seus atributos e a possibilidade de mescla. Os fumos-base usados nas misturas são os seguintes:
Oriental - É conhecido também como turco selvagem. Seu aroma picante e sabor peculiar fazem dele um ingrediente especial para as misturas com outras variedades.
Virgínia - Este fumo é o tipo de tabaco predominante nas extensas plantações americanas. A variedade Virgínia apresenta folhas douradas e escuras. As escuras, que são muito usadas para misturas, têm um aroma suave e agradável, alto teor de nicotina e são mais aromáticas e encorpadas que as douradas (Light Virginia).
Burley - Tabaco de textura rústica, amarelado e com baixo conteúdo de açúcares. Cresce em enormes plantações no Kentucky. Tem sabor forte e intenso.
Latakia - Fortemente aromático, é atualmente muito cultivado no Oriente Médio. Emprega-se sempre como um fumo de adição, temperando outras misturas. Seu sabor e corpo são acentuados. Uma das características da sua participação nas misturas é de produzir um efeito de mistério, sendo bastante requisitado.
Periqué - Tabaco usado como tempero, produzido somente numa pequena área da Louisiana, nos Estados Unidos. Tem paladar amargo e forte, ficando entre o figo e a ameixa. Este tabaco foi descoberto por Pierre Clenet, francês que aperfeiçoou o manejo dos indígenas locais, que consiste em fermentar o tabaco no líquido obtido de sua prensagem. Kentucky - Como o próprio nome indica, cresce nas plantações do estado de Kentucky, nos Estados Unidos. Tabaco forte, com alto teor de nicotina, de coloração marrom escura, textura áspera e rústica.
Da mescla de fumos-base descrita acima com outros produtos, obtém-se um número enorme de combinações. A partir daí o fumante deve buscar o blend que melhor combine com o seu paladar. - [Ryoki Inoue]