Pastora
de Homens (retalhos
capítulo 2)
Tomamos o caminho da zona, caminho este já meu
velho conhecido, desde a época em
que Ico e eu fomos para aquela cidade a mando
do Dr. Fernandes, meu amigo com a incumbência
de proceder a sondagem e elaborar o orçamento
das obras de pavimentação das
ruas principais e eu, para cuidar dos pormenores
jurídicos da concorrência — aliás
já ganha por meio de mandrakarias
que jamais poderiam ser explicadas à luz
da Lei — bem como para gerenciar os
inúmeros negócios em paralelo — leia-se
negociatas — que certamente surgiriam
e cujos lucros seriam substanciais e de bom
grado.
Depois disso, voltamos inúmeras vezes,
sempre para entabular algum grande negócio,
sempre para ganhar mais dinheiro, tanto para
o Dr. Fernandes quanto para nós mesmos,
evidentemente numa proporção
que chegávamos a achar até injusta,
tendo em vista que ele, o Dr. Fernandes,
ficava na Capital, em seu escritório
climatizado e nós, no meio do sertão,
enfrentando um calor sufocante que parecia
ouriçar ainda mais toda uma horda
de insetos que insistiam em não nos
deixar em paz.
E, como já disse, além da formidável
diferença de comodidade, havia a diferença
no ganho: nós ficávamos com
uma pequena porcentagem enquanto ele...
Bem, ele ficava com a parte do leão, é claro.
—
Em compensação, nós
temos as meninas — consolou-se Ico,
com uma risada — E entre elas, a Josette!
— . —
Ainda com o pensamento
voltado para o que nos dissera Maurinho,
sobre estar havendo
um velório na zona, mal ouvia Ico
falar de seu trabalho, de como sua situação
mudara para melhor, do dinheiro que estava
conseguindo ganhar graças à inestimável
atuação de Josette junto
aos figurões da cidade e mesmo da
Capital, fazendo lobby para que ele ganhasse
as concorrências e, com isso, aumentasse
substancialmente sua conta bancária
com a incrível quantidade de outras
pequenas construções e mesmo
consultorias que lhe apareciam e que, no
frigir dos ovos, muito significavam, muito
lhe traziam. Todas vindas, de alguma maneira,
através de Josette, de suas mãos,
tão generosas quanto hábeis.
Lembrei-me, talvez devido a alguma frase
que Ico tenha dito, as palavras meio engroladas
por causa do uísque, das poucas
perspectivas que tínhamos quando
por lá estivemos pela primeira vez,
com a missão de proceder aos estudos
e orçamentos para o asfaltamento
das principais ruas da cidade.
— . —
O difícil não era fazer
o estudo do solo, os serviços de
compactação e todo o resto
que se torna necessário quando se
vai fazer uma pavimentação.
O grande problema, naquela cidade, era
preencher o tempo ocioso que começava
por volta de quatro e meia da tarde e se
estendia até nove, nove e meia do
dia seguinte.
É
perfeitamente válido perguntar por
que o horário de trabalho era tão
curto...
Ocorre que se tratava do sertão
e os trabalhadores braçais, contratados
entre os moradores do município
por exigência do prefeito, aliás,
atitude muito nobre, considerando-se que
era uma maneira de fazer com que seus munícipes
tivessem a oportunidade de receber uma
renda extra — e certamente cabalar
votos — tinham outras atividades
junto às suas lavouras. Assim, encerravam
o trabalho mais cedo do que o normal, pois
precisavam recolher o gado, regar uma horta
e mais um milhão de coisinhas a
fazer, coisinhas estas que demandavam justamente
as horas que deveriam ser ocupadas com
a finalização do expediente.
A partir de três e meia da tarde
não se podia contar com mais ninguém:
estavam guardando as ferramentas, tomando
banho e se arrumando para voltar às
suas moradias.
Por isso, às quatro horas, Ico e
eu, como os dois funcionários mais
categorizados da empreiteira e que ali
estávamos para chefiar os serviços,
ficávamos absolutamente livres e
soltos para fazer o que bem pretendêssemos.
(...)
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