Pastora
de Homens (retalhos
capítulo 6)
Era estranho vê-la ali, deitada,
os olhos fechados, os lábios ligeiramente
arqueados quase a sorrir, o nariz bem
feito parecendo ainda mais arrebitado
e atrevido...
Estranho... Ela estava vestida! E vestida
de negro, usando uma roupa que jamais
teria usado em vida.
Parecia que alguém — uma
de suas companheiras, com certeza — achara
por bem pô-la de luto, pois o luto
seria a roupagem mais adequada ao seu
encontro com o Guardião.
Como seria esse encontro? Que perguntas
o Guardião haveria de lhe fazer,
que explicações teria a
exigir? E Josette? Como ela haveria de
se sair de tão, digamos, constrangedor
interrogatório?
Teria ela coragem de contar o que fizera
com Isaías, o atual prefeito,
cerca de vinte anos mais moço
que ela e que tinha tido sua primeira
experiência entre os afamados lençóis
de cetim de sua cama, logo ali, no terceiro
quarto depois da porta que vai para a
cozinha? Todos os mais velhos freqüentadores,
bem como todas as meninas mais antigas,
deviam lembrar muito bem da noite em
que o velho Salustiano, um dos mais importantes
chefes políticos de toda a região,
levara pela mão seu filho caçula,
o menino Isaías, único
filho homem e desde o berço destinado
a ser o sucessor do pai, e entregara-o
para Josette, dizendo:
—
Faça dele um homem! Confio em
você!
E, num gesto escandaloso, enfiou-lhe
pelo decote adentro um grosso maço
de notas, acrescentando:
—
E não precisa pensar em despesas,
viu?
Nesse instante, enquanto Ico enchia mais
um copo de uísque, um burburinho à porta
de entrada chamou minha atenção
e, novamente deixando o clima abafado
e depressivo da sala do velório,
voltei para a mesa, curioso por saber
a causa daquela movimentação.
Era justamente o coronel Salustiano chegando,
imponente em seus quase oitenta anos,
acompanhado por meia dúzia de
seus empregados mais próximos — na
verdade, nada mais que seus fiéis
jagunços.
—
Ele ainda manda na cidade? Ainda tem
muito poder? — perguntei para Mercedes.
—
E como! — exclamou ela — Nada
se faz sem o seu aval. E, no fundo, todos
nós dependemos, de alguma maneira,
de seu dinheiro...
Mercedes sorriu com tristeza e murmurou:
—
E Josette era sua mais importante conselheira.
Talvez tenha sido a única pessoa,
em todo o mundo, capaz de influenciar
sua opinião. (...)
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