Pastora de Homens (retalhos capítulo 4)

Batendo o cigarro num cinzeiro de autêntico Murano, falou:
— Doroty e Mezzaorecchia não sabiam nem mesmo manter a disciplina entre as meninas ou mesmo entre os clientes. Sempre acontecia uma bagunça qualquer que nos atrapalhava os negócios... Se não fosse nossa estreita amizade com o tenente Getúlio, lá da Delegacia, conseguida graças aos favores de nossas meninas, talvez nossa casa já nem existisse mais. Teve, por exemplo, aquele caso que até precisou da interferência do doutor Ubaldo, o advogado da cidade...

— . —

— Aves de arribação — disse Mercedes olhando pelo buraco que havia na janela .
— São novinhos — emendou Jerusa.
— O que vocês duas estão olhando aí pela janela? — perguntou a cafetina.
— Nada não, Doroty — respondeu Mercedes — São dois molecotes que pararam o carro aqui em frente. Estão com roupas de casamento. Terno, gravata, colete...

Um, mais magro e moreno, e o outro loiro. Ambos com ternos azul escuro, gravatas bordô e coletes de um azul ligeiramente mais claro que a cor dos ternos. Sapatos pretos, engraxados e brilhantes. Percebia-se que eram estudantes e burgueses.

Os dois rapazes tinham resolvido sair mais cedo de um casamento, cuja festa não estava tão boa quanto tinham imaginado e, sem ter o que fazer, decidiram ir à zona. Com facilidade descobriram onde ficava o bordel e, depois de uma rápida passada por um ou dois botecos onde calibraram as turbinas, chegaram à então denominada Casa de Doroty.

Soaram a campânula existente sobre o portão de ferro batido parcialmente enferrujado, que de alto chegava até o teto da laje da casa onde se encontravam as duas curiosas, Mercedes e Jerusa.

Doroty, pressurosa ao vislumbrar dois clientes provavelmente endinheirados chegando à sua casa, abriu a porta principal, desceu os cinco degraus da escadinha que dava acesso ao portão e piscando os belos olhos perguntou-lhes quem procuravam.

O mais magro deles, de nome Carlos, respondeu:

— Ouvimos dizer que aqui é um bom lugar... Queremos tomar uma cerveja e, talvez, se alguma das moças for atraente, podemos fazer um programa...

Doroty, toda sorrisos, abriu o portão fechado com cadeado, dizendo:

— Moço, você não vai se arrepender. Nossas meninas são excelentes, de primeira. Lindas de morrer. Boas. Gostosas. E muito simpáticas. Garanto que vão adorar!

Sorridentes e na expectativa de uma bela noitada, os rapazes entraram no bordel.

A sala em que foram introduzidos era ampla e confortável, com mesas e cadeiras simetricamente dispostas à frente de um balcão, onde estava um tipo alourado, mal encarado, com avental sobre a calça e camisa, que servia as bebidas. Ou era garçom ou cafifa.

Carlos deu um cutucão no amigo, sussurrando:

— Veja! Ele só tem a metade da orelha esquerda! Falta o pedaço de cima...!

— Ora! — fez Beto, seu companheiro, com má-vontade — Em vez de ficar se preocupando com a orelha do sujeito, preste atenção nas garotas! Elas são realmente muito boas!
Sentando a uma das mesas, os rapazes pediram um rabo-de-galo cada um e uma cerveja estupidamente gelada.
Não demorou mais que um minuto para que Jerusa e Mercedes sentassem com eles, aliás como seria de se esperar que acontecesse em qualquer bordel do mundo: as mulheres não deixam homem algum beber sozinho. Logo se aproximam e perguntam, com voz sensual, a mais envolvente possível:

— Paga um drinque para mim, benzinho?

Indefectivelmente conseguem que o freguês lhes pague não um, mas vários drinques. E, é justamente aí que reside a malandragem: para o freguês, a bebida é realmente alcoólica e, para a mulher, não é mais do que chá com gelo. O resultado é óbvio. O freguês se embriaga, aceita tudo, paga tudo e a mulher permanece sóbria e inteira, pronta para uma nova presa.

A conversa rolou solta enquanto as meninas pediam mais bebidas. Mercedes era morena, com uma pinta artificial na face esquerda que lhe realçava os olhos negros, viçosa, muito bonita, com corpo definido e belas pernas. Jerusa, por sua vez, era do tipo mignon, loira, seios lindos, um belo derrière, dentes perfeitos e boca tinta de batom vermelho. Era tudo o que Carlos e Beto procuravam, não podiam esperar coisa melhor.

Carlos aproximou-se de Jerusa e Beto ficou encostando a perna em Mercedes.

O garçom reapareceu para trazer um prato com amendoins torrados e salgados — muito salgados, que é para aumentar a sede do freguês e obrigá-lo a pedir mais bebida — e, quando se afastou, Carlos indagou:

— Por que lhe falta um pedaço da orelha?

— Ninguém sabe, ao certo — respondeu Mercedes — Ele diz que foi num acidente. Mezzaorecchia conta que estava na carroceria de um caminhão e bateu num galho de árvore, perdendo metade da orelha esquerda. Porém, na cidade, contam que foi a mulher dele que o mordeu, numa briga, quando descobriu que ele estava de cacho com a Doroty.

Inclinando-se para a frente e baixando a voz, ela acrescentou:

— Mas, dizem à boca pequena, que foi um viado que o feriu. Parece que ele e Mezzaorecchia tinham um caso e, quando surgiu a Doroty, o viado ficou com ciúmes e quis cortar a cabeça do namorado com um facão... Como Mezzaorecchia conseguiu se desviar, o golpe atingiu apenas a orelha esquerda, cortando fora a metade superior...

Chamou mais bebida para a mesa e, com um sorriso, finalizou:

— Mas, na verdade, não interessa. Não é com ele que vocês vão fazer alguma coisa, espero... (...)


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